sábado, 31 de maio de 2008

O plantão do Sua Excelência... informa: jornalista perdoa manjericão

Eu nem sei quando comecei a cozinhar igual a gente grande. Minha mãe, cozinheira mineira de mão cheia, diz que eu ficava, ainda menina, do lado dela, no fogão, só olhando. Lembro vagamente, mas não lembro de ficar preocupada em aprender. Só lembro de ficar, como ela diz, só olhando, mesmo. A comida dela sempre foi cheirosa – o alho dourando, pra qualquer coisa, era meu preferido –, e eu achava legal ficar ali na cozinha dando pinta.

Algumas coisas que ela fazia eu achava esquisito. Uma delas: quando a vista começou a falhar, ela começou a vigiar o arroz de ouvido, literalmente, e acertava sempre a hora de apagar o fogo porque a panela parava de fazer o barulhinho da água ainda pipocando no fundo – essa, uma vez, ela me explicou porque eu não agüentei e tive que perguntar; não entendia de jeito nenhum. Também nunca compreendi como, diabos, ela conseguia acabar de cozinhar com a pia livre de louça suja. E nunca, nunca, mesmo, compreendi a mania dela de colecionar potinhos de plástico pra guardar sobra de comida.

Hoje, num surto de sanidade raro nesta casa nas últimas semanas, fiz as pazes com o manjericão. Tá, eu sei que parece viadagem, mas é um símbolo e pronto. Na verdade, por gostar muito de cozinhar, gosto também muito do cheiro das coisas e vou levando a vida a associar cheiros e sabores à alma (minha e alheia) e ao estrago feito na coitada (minha) vez ou outra. O primeiro jantar desta minha ópera bufa teve manjericão, deu no que deu, tomei raiva da folhinha. Simples assim.

Pois, fiquem sabendo que hoje não só fiz as pazes com a folhinha escrota, como fiz de novo meu macarrão bacana (o tal do primeiro jantar), com manjericão, calabresa, molho de tomate com tiras finas de cebola e pimentão e, só de raiva, dei uma inventada e acrescentei abobrinha. Tá, eu sei, eu sei que preciso começar a dieta seriamente ontem, mas eu precisava desse ritual de hoje. Relevem aí, porra. Conseguir fazer almoção de sábado pra comer sozinha, repetindo o prato maldito, sem babar de ódio e tristeza, é uma vitória e tanto, admitam.

Comi com a calma dos desgraçados, com a paz dos malucos, na minha minúscula cozinha americana, de guardanapinho de pano no colo, garfo e colher, prato no meu joguinho americano comprado no Irã (tá, já falei aqui que chamar aquele paninho de "americano" com o bicho sendo persa é uma sacanagem, mas não consigo encontrar outro nome). Com um vinhozinho bacana comprado numa promoção da Sendas. Folheando uma matéria levinha sobre os 100 anos da imigração japonesa no Brasil na Veja.

Ah, sim, antes de comer, a pia já estava livre de louça suja. E o que sobrou dos temperos não usados e do próprio macarrão pronto já está devidamente enfiado na geladeira em alguns dos meus milhares de potinhos de plástico que entulham o armário da cozinha. A calabresa fritando, eu vigiei de longe, ouvindo o barulhinho dela estalando na panela.

7 comentários:

Bernardo disse...

é impossível ler esta descrição das habilidades da minha vó Nilza e não lembrar das doces tardes - no sentido conotativo e denotativo -, nas quais eu pulava o muro, descia pela famosa goiabeira e ia até a cozinha onde sempre - sempre mesmo - havia algum quitute delicioso me esperando.

Estou lembrando de tudo: do cheiro; das panelas de aço, que me queimavam os dedos; e principalmente da satisfação que a vó sentia à medida que eu me fartava do rango. É como se eu a visse agora, com aquele sorriso enquanto eu comia.

E o vô Nanão, sorrindo, completava a cena:
- Tá trabalhando, né?

Que saudades!

Ana Silvia Mineiro disse...

Senti vontade de me convidar para comer as sobras...
Lindo texto. Que o manjericão perfume nossas vidas.

ROZANE MONTEIRO disse...

porra, Bernardo, quase fui às lágrimas com esse teu post aí, mané. nunca engoli a venda daquela casa. não passo nem na porta. dói demais a saudade. aliás, essa ida a Niterói pra palestra tenho certeza de que vai fazer um estrago. nem me lembro mais da última vez em que fui a Niterói. e, quando fui, os véio moravam na casa ainda. puta que o pariu, só agora me ocorreu isso. saco.

ROZANE MONTEIRO disse...

brigada, babe. um brinde ao manjericão, flor!!!

quanto às sobras, mi casa es su casa, hon.

Bernardo disse...

os lugares onde passamos a infância são sagrados.
as lembranças relacionadas à infância são mágicas.

ROZANE MONTEIRO disse...

eu sei, babe, eu sei. pergunta a sua mãe sobre a estranha mania que a gente tinha de virar a bicicleta de cabeça pra baixo e moer folhas secas da amendoeira lá de casa na roda, girando o pedal, pra, depois, fingir que era pipoca. aliás, pergunta também sobre um dia em que a gente quase fugiu com uma porra dum rolo compressor que os funcionários da prefeitura deixaram abandonado, pra almoçar, na época do asfaltamento da tal da Rua do Canal.

ROZANE MONTEIRO disse...

quanto ao rolo compressor, eu acho que cheguei a conseguir ligar o bicho, mas fomos pegas em flagrante. foi lindo. até onde me lembro, eu fui a mentora do delito. :)