sexta-feira, 29 de maio de 2009

Bem feito: quem mandou eu não nascer marciana?

Fui nascer no estranho planeta Terra, comandado, segundo os homens e mulheres de fé, por deus (Drummond também escrevia "Deus" com letra minúscula, tá?), vou me danando existência afora. E a vida sobre esta parte do Sistema Solar vai perdendo o sentido a cada segundo.

Mas, desta vez, vou preferir não me lamuriar. Vou preferir celebrar a vida, enquanto eu puder. Mesmo babando de ódio, dor e indignação. Resumindo muito o babado, ando às turras com deus porque o mané resolveu que minha mãe tem que fazer o caminho do céu. Ela está viva, mas muito, muito doentinha, mesmo. Vou poupá-los dos detalhes todos, até porque nem eu consigo verbalizar direito ainda. O meu sumiço aqui foi porque passei as últimas duas semanas em choque, em total estado de negação, dando meu jeito de ir a Minas o máximo de vezes que eu puder - só não me mando de mala e cuia porque preciso trabalhar aqui, preciso fazer dinheiro, simples assim. Fato é que, tivesse eu alguma fé nesta alma, não saberia o que pedir exatamente.

Noves fora nada, dei uma pirada básica, quase perdi um trabalho por absoluta incapacidade de me concentrar em um milhão de coisas ao mesmo tempo e vou me recompondo aos trancos e barrancos, tentando preparar a alma, distraindo o cérebro com trabalho, agora, já retomado de verdade. Aí, acordo eu nesta gloriosa sexta-feira, tocando a vida, me preparando pra ir pra Minas amanhã pra fazer cafuné na minha véia, tomo na fuça, hoje de manhã, a notícia da morte de um amigo.

Marcelo Nóbrega. Jornalista, foi editor de Tecnologia e Internacional no JB, que foi onde a gente trabalhou junto. Trinta e poucos anos. Casado há 10, planejava o primeiro filho com a mulher pra daqui a pouco. Só que não deu tempo: o bichinho teve um infarto fulminante esta madrugada, morreu em casa e deixou a galera toda passada, pretérita, absurdada, enjoada desta vida de meu deus, todo mundo jurando que vai se ver semana que vem porque puta-que-o-pariu-a-gente-fica-sem-ver-as-pessoas-por-conta-de-trabalho-e-dá-uma-merda-dessas.

Passei um dia infernal, com a fuça no trabalho, em casa, porque não tive nenhuma condição de ir pro escritório, babando de raiva da lógica do Criador e de uma tristeza imensa. O engraçado é que agora, no fim do dia, depois de entubar a morte do Nóbrega, passados os estágios da negação e da ira, vou sendo tomada por uma estranha vontade de ficar viva demais, sem viadagem, sem babar por dor pequena, diante da percepção de que, de repente, a porra da vida vai embora, sem aviso prévio, sem telegrama, sem spot no rádio, sem reunião de pauta, sem briefing. Agora, só penso na família dele (pai, mãe, irmãos e mulher), que, a essa altura, ainda tá tentando fazer o velório começar no São João Batista - atrasou tudo demais por algum motivo que ainda desconheço, e parece que só vai começar depois das 23h. Não vou. Simplesmente não consigo. É informação demais pra minha cabeça. Até porque o povo tá combinando de ir pro cemitério amanhã de manhã, que é quando eu já tenho passagem marcada, de ônibus, pra Minas. Amarguei certa culpa, mas já "bati papo" longuíssimo com o manezinho, daqui, mesmo, do Largo, e o peito deu certa apaziguada.

Não, eu não sei como a morte do Nóbrega acabou me botando pra trabalhar. Fuga? Claro. Mas também tenho a sensação de que a desgraceira toda acabou virando recado dos céus (com letra minúscula também, que ainda tô muito puta) pra esta escritora mané.

Cumpra-se.

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