quarta-feira, 9 de julho de 2008

Foi assim

- Atenção, senhores passageiros, aqui é o comandante, etc, etc, etc

- Sei, sei... E?... E?...E?... – disse meu vizinho de poltrona, que viajava de volta pro Rio com o sócio e, adepto da Lei de Murphy, estava certo de que, depois da ladainha de praxe, o piloto emendaria a explicação pra algum atraso.

Foi o que, aliás, aconteceu no vôo de ida pra Brasília, hoje de manhã, que nós três pegamos, sem nos cruzar, e que ficou meia-hora paradão na pista por conta da fila de "aeronaves".

Aproveitei pra contar pros fofos o conceito de lead, que é o primeiro parágrafo das reportagens e que deve conter todas as informações básicas, tipo: "Dois aviões derrubaram ontem as duas torres do World Trade Center". O companheiro que estava na poltrona da janela (eu estava no corredor) declarou que era só o que lia nos jornais, e não paramos mais de conversar. Os três, irritadíssimos com a falta de lead do piloto do avião de ida, que levou horas até jogar na fuça dos passageiros que ficaríamos meia hora chafurdando, trancados no avião até decolar.

Polêmica dali, polêmica dali acerca de trabalho, fomos emendando um dedo de prosa, até que o moço da janela desistiu do sócio e de mim, que, a essa altura, cacarejávamos, e deu uma cochilada. Considero a possibilidade de ele ter só desistido, mesmo, e fingido morrer pro mundo, mas não quero falar sobre isso.

- O senhor quer algo pra beber? – perguntou o mocinho simpático a meu vizinho.

- Uma água com um gelinho, por favor. (...) Pô, ele botou só um gelinho

- Ué, você foi bastante específico, pediu "um gelinho" – expliquei, doce.

O moço, de novo:

- O senhor deseja mais alguma coisa?

- Por favor, mais uma ou duas pedrinhas.

Foi atendido, com mais duas.

- Viu?

Ele, pro moço:

- Ah, queria também que o avião parasse de balançar.

E, sim, a turbulência acabou passando.

- Viu? Funcionou.

- Funcionou nada, ainda tá sacudindo.

Só aí, percebi que o jovem causídico odeia quando aviões sacolejam mais do que os passageiros merecem.

- Cadê as letrinhas das poltronas? – perguntou, intrigado, enquanto se distraía da turbulência, olhando pra cima.

- Tão aí em cima, ué.

- Não, as outras.

- Que outras, cara?

- Tem outras, que ficam ali (apontando).

- Não, cara, eu juro que não tem.

- Tem, sim.

- Não tem, caceta.

- É horrível isso. Você tem uma certeza absoluta, e ela é espancada pela realidade.

O que ele só agora vai saber é que eu já tava convencida de que, sim, as tais letrinhas extras tinham desaparecido, mas me contive:

- Pois é – pensei em emendar na minha tragédia do primeiro semestre, mas achei de bom tom resistir, até porque, a essa altura, já sabia que o Gabeira tava na poltrona da frente e não iria pagar micão assim prum homem que carrega um pedaço da história deste país nas costas.

- O pior vai ser chegar em casa e minha mulher, que tá grávida, vai querer me contar o dia tooooodo dela. Vai falar que o preço do tomate subiu. E daí? Se o tomate que é o tomate não reclama.

- Tu conhece aquela piada dos dois tomates que atravessavam a rua?

- Sei, peraí..., lembrei: "Lá vem um carro... ploft", "Onde?... ploft"... Cadê meu livro?

- Que livro, porra?

- Eram três livros.

- Não, não eram. Eram dois. Só te vi com dois no colo.

- Não, o outro tava na sacola de plástico que botei no chão (embaixo do banco à frente, em cima da pasta dele).

- Se você botou no chão, deve ter escorregado pra frente, de cima da pasta.

- Preciso achar.

- Deixa aterrisar, tá quase chegando.

- É que eu tenho um pouco de TOC.

Eu, pro companheiro da janela:

- Vem cá, como é que você agüenta ele o dia inteiro, todo dia?

- Pois é.

E seguiram os dois falando ao mesmo tempo, contando histórias engraçadíssimas no escritório.

Eu:

- Vem cá, vocês vão falar ao mesmo tempo? Aliás, (pro meu vizinho, os três rindo muito), tu já reparou que não tô te dando mais atenção, né?

- Não tem importância. Eu falo comigo mesmo.

- Hein?

- Nada, não... Preciso achar o livro.

- Meu Deus, por que que eu só me aproximo de maluco? Só pode ser culpa minha, coisa ruim atrai coisa ruim.

- Pois é - meu vizinho desabafou, quase resignado.

- Dá pra cá – tomando os dois livros da mão dele, pra ajudar o pobre a se mexer mais desenvolto atrás do terceiro livro.

- Pô, brigado.

Em algum momento, levantei pra dar mais espaço pro rapaz, já me coçando de agonia com aquele procura-não-acha.

A mocinha sentada no lugar dos comissionários, no fundo do avião:

- Senhoooora, todos os passageiros devem estar sentados. Estamos aterrisando.

Eu, sentando rapidamente, pro vizinho, agarrado no terceiro livro, que acabara de encontrar, com os outros dois de volta ao colo:

- Eu vou matar você – entre os dentes, enquanto afivelava o cinto, milésimos de segundos antes de o avião tocar o solo deste nosso Rio de Janeiro, escapando por muito pouco de enfiar a fuça no chão com o impacto.

- Ai, meu Deus, ai, meu Deus...

- Calma, não vai acontecer nada, eu juro, calma.

- Por que que ele tá andando de lado?

- Calma, porra.

- Por que que ele tá andando de lado?

- Calma, caralho.

(...)

- Dá aí teu e-mail. Você JÁ virou personagem do meu blog.

2 comentários:

Maria Alice disse...

Como você bem sabe, eu me solidarizo com este pobre ser temente aos aviões com quem você viajou.No meu último piti aéreo eu tinha uma certeza " vertical" de que o avião estava parado em pleno ar sobre a Ilha do Governador.E com meu raciocínio rápido, lógico e científico concluí que se o avião está parado no ar É PORQUE ELE VAI CAIR!!!!Só me aclamei quando meu filho( de 17 anos e primeira dentro de um avião) me garantiu que estava tudo bem.Isso tudo ao som da minha mãe octagenária aos gritos duas fileiras atrás:"O QUÊÊÊÊÊÊ????????".
Foi lindo....

ROZANE MONTEIRO disse...

cara, tu ainda não curou essa porra?????? :) na boa, eu acho que nunca ri tanto num vôo. o tempo passou voando (trocadilho super-bem empregado, admita).