domingo, 30 de dezembro de 2007

2008: Não dou, não dou e não dou

Dada a dramaticidade desses últimos dias de 2007, só tenho uma resolução de Ano Novo: não dou, não dou e não dou. Se o Dalai Lama e o Padre Marcelo podem viver sem sexo, eu também posso. Um vive rindo, o outro vive cantando, não há de ser de todo ruim. Feliz Ano Novo!

sábado, 29 de dezembro de 2007

O parafuso da privada

Se há pergunta que uma pessoa não pode fazer é “o que mais vai me acontecer?”. Claro que a tampa da privada fashion, branquinha, com um fiozinho prateado discretíssimo, despencou. Um parafuso sumiu; o outro caiu; e a borda esgarçou. Já ia me acabar de chorar, naquela posição ridícula, quando me lembrei que não tem mais ninguém pra levantar a tal da tampa. Também lembrei da pia igualmente fashion, onde a gente tem que lavar a mão com cuidado, senão a água vaza da cuba e ensopa o armário. Aí, lembrei que o traste também não vai mais estar na área pra me matar de raiva ao ensopar tudo a cada ida ao banheiro.

Antes desse drama doméstico, caminhei na praia pela primeira vez depois do cisma. E bem me vi virando a cabecinha prum quarentão espetacular que passou sem camisa. Achei que já era um sinal de cura. Mas a questão é que ando me sentindo como o sujeito que adora camarão, mas não pode comer porque fica todo empolado e periga morrer asfixiado. Achei melhor ocupar a boca com uma empada e dois pastéis, iguarias muito mais seguras, como sabemos.

O medo do pênis

Sabe aquele bêbado que acorda depois de um porre espetacular jurando que nunca mais vai beber? Pois é. Com o advento do “desencontro” (definição do meu amorzinho pro chute que me deu, por telefone, depois de dizer que me amava e queria casar comigo), ando desenvolvendo um estranhíssimo horror ao pênis. Um horror atávico, histórico, cármico, absurdo. Minhas amigas não acreditam e juram que eu não vou negar fogo ao primeiro que aparecer querendo meu corpinho. Mas eu juro que há sinceridade nessa afirmação.

Não, sério, mesmo, com todo o respeito aos machos do planeta – uma gente que vive no meu coração –, mas só de imaginar aquela coisa que se avoluma com facilidade, na melhor das hipóteses, vai me dando um pânico, que tenho vontade de me trancar no banheiro, escorando a porta com a vassoura (ê, ato falho!), e de avisar à turma do Freud que o que ando sentindo é imensamente mais grave do que a inveja do pênis.

Não estou negando a tal inveja, não. Juro. Eu acho, por exemplo, que Deus, em sua imensa sabedoria, podia ter dado um jeito de dar um hormônio pras mulheres que fizesse com os peitos o mesmo que acontece com o pênis dos rapazes. Especialmente pras gorduchinhas com mais de 40 anos: “Cara, olhei pro sujeito e fiquei de peito duro na hora”. Pô, ia ser bacana. Mas, sei lá, acho que, depois da confusão da maçã, Deus nem quis ouvir a versão da Eva, ficou magoado, e a gente foi se danando existência afora.

É só um medão da moléstia, mesmo.

O cheiro do alho

Pois é. Eu cozinhava pro traste. Logo eu, freqüentadora de restaurantes, botecos e similares, como diz o nome do sindicato dessa turma. Logo eu, que jurava nunca virar dona-de-casa tradicional pra bofe nenhum.

Cozinhei tanto pro Coisa Pior que o cretino se apaixonou pela minha comida, especialmente por um raio de canja que eu nem sabia que sabia fazer. Descobri porque, como o cachorro gosta de sopa, pensei na que seria mais fácil, que foi a desgraçada da canja. Virou sucesso de público e crítica, e o bicho tomava gemendo, revirando o olhinho, virando a cabecinha, espantadíssimo porque eu, dada a minha natureza intelectual-malcriada, não parecia ser a “excelente” dona-de-casa que sou.

Até aí, nada. O problema é que, desde o chute, não tive coragem ainda de me aproximar do fogão. Simplesmente não consigo, e tenho comprado comida todos os dias na última semana. Claro que isso só serve pra aumentar a raiva: além de todo o transtorno, o palhaço ainda tá me fazendo gastar dinheiro.

O problema é que tenho a certeza de que, se parar pra dourar um alhinho, fase inicial da maioria das coisas que faço na cozinha, vou me debulhar em lágrimas, e o pano de prato no ombro há de virar lenço. Sem falar que nunca mais vai ter o traste sentadinho na bancada da cozinha me olhando pilotar o fogão, o que, aliás, devo admitir, me causava certa irritação.

Frango nem tão cedo entra nessa casa. O salmão de sempre, que fazia com alecrim, pimentão e cebola na manteiga, ao forno, muito menos. O mesmo vale pro atum em lata que, na preguiça, virava saladinha com legumes pré-cozidos, mais salsa e cebola picadinhas com amor. Argh, não acredito que escrevi isso. Meu Deus, cadê eu?

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

A dor, Pavlov e o David Niven

Ódio e nojo já abrandando, que também nem eu güento mais essa ladainha, já sabedora de que na alma do Coisa Pior reina a culpa pela antice dos últimos quatro meses, ando assentando meu facho, e o personagem mulher-histérica tá quase saindo de cena. Quase.

Mais calmo, meu coração indignado selvagem cansou de se esgoelar no ouvido do traste, em busca de uma resposta, até porque eu já me conformei com o fato de não haver, mesmo, explicação pro rolo todo. A paz, portanto, já tá na portaria, já subindo, pra entrar de vez nesse apartamento minúsculo aqui no Largo do Machado.

Pois é, o apartamento é minúsculo. Quarto e sala super-charmoso que gastei os tubos pra reformar há um ano. Cozinha americana, todo branquinho, uma parede repleta de fotos das minhas viagens pelo mundo. Menos de 50 metros quadrados, cada um deles, todos, mesmo, repletos de lembranças dos últimos quatro meses.

Tá, tá, tá, só eu não sabia que, passada a ira inicial, seria tomada de assalto por uma saudade imensa do cachorro. Daquelas saudades inexplicáveis, absurdas, desatinadas, uma tristeza de filme americano de sábado à noite na Globo, que, como sabemos, é quase sempre “baseado em fatos reais”.

Só fui me dar conta ontem. Num momento Pavlov. Com preguiça de descer pra entregar um filme que peguei no dia anterior, acionei a locadora e pedi pra eles mandarem alguém buscar. Num ato falho espetacular, acabei programando isso tudo pra hora em que o Coisa Pior costumava vir jantar aqui. A ficha só caiu quando me vi abrindo a porta numa hora em que ele estaria chegando. Desnecessário dizer que, qual fora ratinho de Pavlov, comecei a chorar igual a uma louca e tive que enfiar as lágrimas no útero pra poder abrir a porta pro coitado de jovenzinho da locadora.

Só então fui olhando pela casa e percebendo que cada canto guarda uma história e só não joguei a cadeira da cozinha em que ele sempre sentava pela janela porque me custou os tubos na Tok&Stok. Devo admitir, no entanto, que a poltrona velhinha de um lugar que minha tia ia jogar fora e eu herdei até poder comprar um sofá já está devidamente entregue ao porteiro. Era o trono do bonitão. Quase todos os outros rastros pelo apartamento também já foram devidamente despachados pro lixo. Quase.

O vestido vermelho da noite de estréia do canalha na minha cama, por exemplo, hoje, pela primeira vez eu consegui vestir. Também pela primeira vez desde o cisma, taquei o batom vermelho preferido do cretino na boca, e me mandei pra rua pra almoçar com uma amiga. Foi durante o almoço que a gente quase morreu de rir com o sonho que tive na noite passada, e eu tive a certeza absoluta de que o sofrimento tá longe do fim.

Antes de contar o sonho, no entanto, preciso esclarecer uma coisa. A anta intelectual tinha inventado uma metáfora ridícula pra nossa relação, no início, os dois enlouquecidamente apaixonados – escrevi “os dois” pra manter um mínimo de dignidade, me respeitem nessa hora difícil, por favor. Tratava-se de um balão em que nós dois ficávamos sobrevoando o Largo do Machado, segundo palavras do traste.

(Pausa pra vocês pararem ou de rir ou de vomitar ou as duas coisas)

Mas eu achava lindo, e pronto. Tão lindo que, quando fizemos 80 dias de (pausa pra eu vomitar) "relação", dei pro Coisinha Pior o DVD de “A Volta ao Mundo em 80 Dias”, aquele em que o David Niven e o Cantinflas rodam o planeta a bordo de um balãozão enorme, estampado na capa. A anta adorou a idéia; nunca viu o filme, claro; e eu dancei em quase 50 reais.

Pois é, noite passada eu sonhei que namorava o David Niven.

O Coisa Pior

Tive um canalha clássico na vida, claro. Do tipo profissa. Canalha que sabe ser canalha, traste de primeiríssima estirpe, vaga no inferno garantida. Mas, adivinhem?, eu sabia que era um traste. Desde sempre. Bem feito, eu sei. Mas, enfim, o que importa aqui é que, como o sujeito é conhecido e como tem um nome ridículo, passou a ser identificado no meu círculo de amigos como o Coisa Ruim, apelido carinhoso que achei que cabia como uma luva no fofo.

Preciso dizer que meu canalhinha enrustidíssimo de agora está, desde já, oficialmente batizado de Coisa Pior?

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Não tem preço

Tenho um grande amigo com quem passei, sei lá, os últimos 10 anos num dilema insano, tentando fechar questão sobre o seguinte fato da vida: a vingança é um prato que se come quente, pelas bordas, ou que se come frio, mesmo, o que vale pra quem tem paciência pra esperar o raio do mesmo esfriar? Lembro que em algum momento da nossa amizade, bati martelo e decidi que a vingança é um prato que se come sempre, mas não sei bem se ele se conformou com essa minha decisão unilateral de parar de discutir.

A questão é que meu amorzinho, tadinho, foi dispensado pela semi-namorada casada. Por telefone. Tadinho. Tô absolutamente convencida de que não vou morrer nem de amor, nem de saudade, nem de raiva, nem de nojo dele. Acho, sinceramente, que será a peninha dele que há de me matar. Aun. Até mandei um e-mail de solidariedade pra provar que, nossa, achei um horror alguém dispensar quem a/o ama assim, por telefone, sem nem olhar no olho. Cruzes, deve ser horrível isso. Ele, que também me chutou por telefone, ficou irritadinho, irritadinho por conta da minha "escrachada ironia", me chamou de egoísta porque estou suuuper-'"centrada" em mim, tão centrada que minha mente anda "nublada", e me esculhambou porque eu não "assimilei" tudo o que ele disse desde sempre.

Não, sério, mesmo, cês vão achar que eu tô de sacanagem. Mas foi exatamente isso que aconteceu. Lembro que o mesmo amigo com quem vivo a discutir acerca do melhor momento pra se saborear a vingança sempre me disse: "Cara, teu anjo da guarda deve ter sido roteirista de sitcom americana". Pano rapidíssimo.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Eu, o Rei, La Pitanga e Gil na rodoviária mineira

Visconde de Rio Branco, rodoviária, 25 de dezembro de 2007, 22h35, à espera do ônibus de volta ao Rio, depois do pior Natal da minha modesta biografia. Eu e o Rei.

Odeio começar um texto assim, mas, pra entender esse, seria deveras instrutivo ler o Manual para Identificar Canalhas Enrustidos, que foi o último post. Ou não, que não tô aqui pra editar leitura de ninguém. Foi mal.

Na TV do moço aqui do bar da Rodoviária (o Paulinho, do Serenu's), o especial de Roberto Carlos, claro. Acabou de cantar "Eu sou terrível" com o Gil: "Eu sou terrível, e é bom parar de desse jeito me provocar. Você não sabe de onde eu venho, o que eu sou, nem o que eu tenho". Deu vontade de ligar pro meu canalhinha enrustido preferido só pra ele ouvir esses versos e ficar irritadinho, como tem ficado nos últimos dias. Tadinho, anda estupefacto com o fato de eu ter enlouquecido de ódio e nojo só porque ele traiu todas, só to-das as promessas que fez nos últimos meses, sem falar na traição anunciada com a "semi-namorada", que é como ele chamava certa senhora casada.

Meu pai, tem alguém armado aí no Rio pra dar um tiro no Rei? "Não quero ver você triste, assim... A felicidade (pausa) até existe". Ergh. Acho que vou vomitar agora o egg-X-qualquer coisa que comprei pra-viagem na pracinha da cidade e acabo de engolir aqui na rodoviária.

Ih, agora, é "splish-splash", que foi o tapa que o coitado levou. Pensei imediatamente: se eu enfiar a mão na lata do meu cretininho, ia ter que ter uma onomatopéia pro barulho dos óculos quebrando na fuça dele, e um "ahhh", ao fundo, pra sonorizar a dor do intelectualzinho, tadinho, que acaba de ficar cego – se bem que, se bem conheço o traste, era capaz de ele se comparar ao Borges.

Ai, ai, ai, lá vem "minha triste história eu vou lhes contar, e, depois de ouvi-la, sei que vão chorar..." Vem cá, tô trocando o atentado contra o Rei por uns 10 tiros de fuzil no sujeito que escolheu as músicas. Enfim, nada disso tem importância. Esse show aqui na rodoviária, que eu não esperava (esqueci completamente que estamos todos condenados ao Rei todo raio de Natal), só tá servindo pra me distrair. Eu ia destilar todo o meu veneno aqui pra continuar meu purgatório e pra ver se alguma leitora também se anima a fazer companhia com alguma história triste ou, ao menos, um comentariozinho. O Rei não deixa! Deve ser por isso, aliás, que ele é Rei.

PÁRA TUDO... A Camila Pitanga, linda, grávida, feliz, mulher de marido gato, ainda sabe cantar!

Peraí.

Vou ali vomitar de novo, agora, de inveja, e ver se dou a sorte de achar uma bala perdida aqui na pacata Visconde do Rio Branco. É, bem, acho que não vai rolar. Com sorte, o ônibus derrapa em alguma ribanceira, e meu corpo fica embaixo das ferragens, perdido pra todo o sempre, retalhadinho.

O refrão "como é grande o meu amor por você" eu não vou comentar, não, tá? Respeitem esse meu momento difícil.

Preciso dizer que o Rei emendou "você foi...?". Nó na garganta, raiva, saudade do cão, mas uma saudade doente, imediatamente substituída por um nojo que acho que evitaria que eu sequer o beijasse se o bicho desencarnasse e virasse aparição aqui no interior de Minas. Se bem que beijar fantasma acho que só rolou, mesmo, no Ghost, com a Demi Moore atracada ao ectoplasma do maleta do Patrick Swayze. Errei de metáfora, foi mal. Admito, mas tô mal-humorada, furiosa e triste demais pra pensar numa outra comparação pro traste. Fantasma, que é igual a pessoa morta, no fim das contas, não me parece de todo ruim a essa altura.

Merda (não, na boa, galera purista: ouvir Outra Vez depois do Natal que eu tive merece esse palavrão, que, admitam, foi suuuuper-bem colocado).

A questão é que o coração tá aos pedaços, e eu não tenho nenhuma condição de ficar cantando musiquinha romântica festejando a saudade que se tem do amor que não se tem mais. O canalhinha enrustido que me cruzou a biografia NÃO foi a "saudade que eu gosto de ter", NÃO foi "o amor mais amigo que me apareceu", muito menos foi "a maldade que só me fez bem" - aliás, não tô aqui pra contradizer hit clássico do Rei, mas maldade, que eu saiba, não faz bem de jeito nenhum. Enfim, pausa aqui para admitir que escrevi a última frase toda no presente, mas percebi a tempo de salvar isso e troquei todos os "é" por "foi". Quanto ao "maior dos enganos", vá lá.

Uoba, entrou Alcione. Me entristeceu mais, não. Graças a Deus, tava aqui quase me agarrando ao Paulinho do Serenu's; gritando; batendo no peito com uma mão; na outra, toalhinha molhada de tanto enxugar lágrima; contando como sou desgraçada.

Agora, de coração, acho que vou mandar o Rei e a Marrom (apelido que ele não pronunciou, como todo mundo já sabe) enfiarem a Linha do Horizonte e as flores festejando mais um dia que vem vindo no... (vocês sabem).

Cara, tô me segurando aqui pra não mandar logo um outro palavrão nesse textinho, que tá bacana, levinho. Mas "Solamente uma vez" é sacanagem. "Sacanagem" ainda é palavrão? Né, não, né? Economizei um cartucho. E, não, não vou dizer que tô aqui furiosa porque já me dei conta de que, em 41 anos, amei pela primeira vez no raio da vida - botei "amei" no passado pra manter o mínimo de dignidade que ainda me resta.

O Rei agora manda "eu te proponho..." Aí, fiquei pensando: será que ele, depois de cantar, vai falar pra platéia que isso é só uma "dessas coisas que a gente diz por dizer", como o traste me jogou na lata?

E segue com "no teu corpo, é que eu encontro". Nenhum comentário.

Ih, quase na hora do ônibus. Vou ter que ir embora antes de ver como diabos o Rei vai encerrar essa sessão de tortura a que acaba de me submeter sem nem saber. Acho que vou convocar o Tortura Nunca Mais e fazer passeata lá na porta do queridão da nação, na Urca. Ih, acho que essa piada vai incomodar a turma politicamente correta. Pô, galera, releva, aí, vai, releva, o negócio tá feio pro meu lado.

Fui.

P.S.: Ao longe, lá da plataforma, ainda deu pra ouvir o Rei iniciando "os botões da blusa...". Como ninguém vai me desabotoar botão de blusa nenhum nem tão cedo, caguei. A exceção otimista pro ato de desabotoar os botões da blusa que eu ainda uso pode ficar pra algum enfermeiro do Souza Aguiar, se eu der, mesmo, a sorte de achar uma bala perdida aqui, no bom e velho Largo do Machado, já que o ônibus não derrapou em ribanceira nenhuma, e meu corpinho tá aqui inteirinho no meu puleirinho.

Se Deus existir e já tiver se arrependido de ter criado canalhas enrustidos, o enfermeiro há de ser daqueles bem machos; sujeito homem; que cumpre promessa de futuro, nem que seja a de dar injeção no olho logo depois do café da manhã na emergência; sem nenhum resquício de intelectualidade sexagenária ultrapassadinha. Tô muito legal de retórica frouxa.

Mas, enfim, como nenhum cachorro me sorriu latindo quando adentrei meu cafofo, nessa quarta-feira de manhãzinha, e como a preguiça já venceu a ira, a troca dos lençóis macios nos quais amantes se davam já ficou oficialmente adiada pra quando eu acordar, refeita, que espero estar, do inesquecível Natal de 2007.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Manual básico pra identificar canalhas enrustidos

Visconde do Rio Branco (MG), 24 de dezembro de 2007

Pois é. Véspera de Natal, eu, aqui, enfiada na cidade de meus pais, Visconde do Rio Branco, perto de Ubá, terra de Ary Barroso.

A idéia de escrever esse blog foi uma forma de sobreviver a um imenso chute que levei há umas 72 horas. Mas o pior de tudo, o que mais dói é que eu, moça letrada, experiente, viajada, facinha, facinha, - mesmo, se é coisa que eu não sou é mulher difícil, juro -, acostumada à canalhada em geral, tinha certeza absoluta de que reconheceria um canalha de longe. Ãrrã, ãrrã... Fui pega no contrapé por um homem de bem; carinhoso; bem humorado; intelectual de estirpe; fofo, fofo; canalha que nem sabe; a perfeita tradução do que eu chamaria de canalha enrustido.

O http://www.suaexcelenciaocanalha.blogspot.com/ passa a ser, portanto, o canal para todas as moças que, metidas a espertas, já ficaram de quatro por canalhas que não são aqueles cachorros de carteirinha, mas são docemente cretinos, assustadoramente frouxos, terrivelmente perigosos por estarem tão bem disfarçados. Eu começo nosso relato com um manual pra facilitar a identificação desses sinais nesses moços legais, a partir da minha própria experiência, agora que, aos 41, acabo de realizar o sonho do canalha enrustido próprio e vivo aqui o que já é o pior Natal dos últimos tempos.

P.S.: Aos meninos: esse blog não pretende nunca, nunquinha, mesmo, generalizar. Não estamos aqui pra dizer que os homens são todos canalhas. Isso não é mais que um serviço; um chamado às moças que ainda estão virando a cabecinha pros homens de bem que aprontam feio lá na frente; um recado às futuras gerações. Canalhas de carteirinha, sei que vosso será o reino dos céus, já que, ao menos, fostes francos desde sempre!

Ao manual, pois:


CAPÍTULO 1

“O que você pretende com nossa relação?”


Isso me foi dito ainda no silêncio do depois, na cama, na primeira noite, ele, nu, eu, ainda com o vestidinho vermelho que tinha comprado pra dar prum empresário paulista que eu achava que era minha alma gêmea. Não era, fui a São Paulo e não dei, e o vestido ficou encostado num canto de casa pruma próxima oportunidade, que, aliás, veio em menos de um mês. Ainda tonta do que houvera, a cabeça em maresia, achei meio esquisito o cara vir falando de “relação” assim, logo nas primeiras horas.

Só meses depois fui descobrir que era um dos sinais. O canalha enrustido é assim: ele vai falando de relação, de namoro, com as metáforas mais estapafúrdias, te envolvendo num jogo de gestos e culpas que faz tanto mal e você se dana toda se cair na conversa do gajo, como, aliás, eu fiz. Na verdade, o canalha enrustido não tem compromisso com o que diz, muito menos com o que promete. E, por ser suuuuuuper fofo, você acha, mesmo, que o cara tá falando sério, tão perdidamente apaixonado, tão enlouquecido por você que não sabe nem encontrar palavras pra descrever o que sente – “enlouquecido” também é palavra cara aos canalhas enrustidos, o que dá um tom de paixão que, agora sei, nunca foi verdadeiro.

É aí o maior perigo: ele parece sincero, mesmo, vira a cabecinha, vira o olhinho, faz carinha de homem que tá gemendo sem sentir dor. No fundo, no fundo, acho que o sujeito é tão descompromissado com a verdade, que vai fingindo ser sua a dor que deveras sente. Ah, sim, citar poesias clássicas também é mania de canalha enrustido intelectual.


CAPÍTULO 2

“Ela é assim, uma espécie de minha semi-namorada.”


Pois é, ainda na mesma primeira noite, veio com essa história, o que parecia estratégia perfeita pra mostrar como ele era franco. Trata-se de uma mulher casada lá de seus 50 e tantos anos (o fofo, não falei, tem 60 e poucos – tá eu sei, eu sei, fui me meter na geração dos outros, me fudi). Os dois estão juntos há dois anos. Falaria “estavam” há uns 10 dias, mas a questão é que, no fundo, no fundo, ainda estão.

Por que que eu sei? Porque há alguns dias, quando O chute me foi dado, no fim da conversa em que ele explicava suas razões pra não agüentar uma relação tão “trabalhosa” quanto a nossa, ele meteu um “inclusive, a semi-namorada voltou de viagem (ficou fora uns dois meses), me ligou e eu percebi que não conseguiria terminar com ela”. Não sei se muita gente aí viu A Última Tentação de Cristo, mas a imagem que me veio quando o cachorro me veio com essa foi a cena do “anjinho” loirinho lindo, lindo, que assedia Jesus na cruz. O filho de Deus dá bola pro “anjinho” e cai na tal tentação do título, pra descobrir lá na frente que tratava-se do capeta em pessoa.

A lógica do meu ex canalhinha é a seguinte. A vida só faz sentido se não houver uma relação de compromisso com uma mulher, coisa muito, segundo o fofo, “trabalhosa”, o que é, no conceito de nosso herói, qualquer coisa que tenha que ficar dando muita explicação, qualquer coisa que tenha que se ajustar a partir da rotina de um e de outro, etc, etc, etc.

Descasadão, relação “estável” com senhora casada era o que de mais seguro e tranqüilo poderia lhe ocorrer - em suas palavras, uma coisa "sem riscos". Mas, enfim, aí, pintei eu; fui logo dando (já falei que sou facinha, facinha); e, aí, uma parente da fofa adoeceu lá na casa do chapéu. Ela teve que sair de cena, e a gente ficou aqui se pegando; ele, jurando que, quando a moça madura chegasse, iria despachá-la. Não, na boa, ele falava isso com uma sinceridade de monge, às vezes, eu achava que o olho até marejava, voz em falsete, cabecinha viradinha - o cara era bom! Claro que a tese da viagem da fofa, hoje, está totalmente sob suspeita.

Também jurava que daqui a pouco iria contar pra ex-mulher que estávamos namorando suuuuuuper-sério. Claro que demorou e claro que já era um sintoma.

CAPÍTULO 3

“Eu venho sempre pra sua casa, meu amor, pra você não se cansar”

As coisas só começaram a ficar feias quando fui percebendo que ele não contava pra ex-mulher de jeito nenhum sobre a gente e nem me deixava ir à casa dele. “Eu venho sempre pra sua casa, meu amor, porque sou um cavalheiro, pra você não se cansar”. Sei, sei. “Dá um tempinho, meu amor, em janeiro, eu conto.” O que só hoje eu sei é que janeiro era justamente o mês logo depois da chegada da semi-namorada e que ele, no fundo, tava era ganhando tempo pra decidir o que fazer. E não duvido nada de que a tese do janeiro possa ter sido contada pra semi, numa versão adaptada, claro.

Aí, ficou irritadinho com uma discussão que tivemos sobre organização do réveillon (teve a ver com minha situação de namorada clandestina, uma espécie, assim, de amante de homem solteiro), a senhorinha casada ligou, marcaram de se ver no fim de semana antes do Natal, e eu dancei. Ah, a cerejinha do bolo: eu viria pra Minas no sábado, mas decidi vir no domingo. Quando informei a mudança ao fofo, o bichinho ficou verde. O que só agora eu sei é que deveria ser um sinal de que ele já tinha marcado de encontrar com a semi. Dã. O melhor é que meu canalhinha enrustido não sabe mentir, dava umas bandeiras horrorosas e, ok, mea culpa, eu só tô na merda hoje porque bem virei a cara prum monte de sinais.


CAPÍTULO 4

“De certa forma, acho que estou te pedindo em casamento”


Antes de o mundo acabar pro meu lado, o fofo chegou a me pedir em casamento. Eu juro. Só não percebi a quantidade de dúvidas que havia numa única frase, quando ele mencionou o assunto pela primeira vez. Claro que só agora percebo minha antice. Como assim “de certa forma”? Como assim “acho”? Anotem aí: o canalha enrustido não afirma nada com certeza; tem horror ao absoluto; tá sempre “achando”.

Claro que a anta aqui também não desconfiou por que diabos o discurso dele foi mudando. O bom e sempre eficaz “quando a gente for morar junto...” foi virando “se a gente for morar junto...”. Logo em seguida, passou pruma coisa distante, distante, quando a nossa vida financeira melhorasse, o que até achei sensato - minha vida tá o caos, todo mundo sabe disso. O que me irritou foi, durante o chute, ele ter mandado “a gente já tinha adiado, mesmo”. A gente, quem, cara pálida? O que fizemos foi traçar um plano de médio prazo, ou não? Não, claro. Eu sei. Anotem também: o canalha enrustido vai torcendo e distorcendo a realidade das próprias coisas que fala pra, no momento exato de te confundir e cair fora, tentar provar que você é que é louca; e ele, o cara mais sensato do mundo. Homem-elipse é também uma boa alcunha pra canalha enrustido.

CAPÍTULO 5

“Você acha que qualquer coisa é manifestação amorosa”

Também ouvi essa na mãe de todas as conversas. Pensei, pensei, pensei, já tinha ouvido que a senhorinha casada já tava de volta e que ele a preferia por ser uma relação sem riscos, sem cobranças. Eu babava de ódio. Depois fiquei pensando e joguei na lata do fofo: “Meu amor, coisas como “eu amo você”, “eu quero você na minha vida”, “eu quero casar com você”, é... bem... me parecem, sim, manifestações amorosas" - o último "eu quero casar com você" foi dito, com ênfase, questionador, como se duvidasse de que eu também quisesse, aliás, quatro dias antes do chute.

Quando cobrei isso tudo, principalmente a promessa que ele fizera, nu, sentado à beira da minha cama, de dar a coletiva de imprensa pra família em janeiro, passei pelo ridículo de ouvir: “São coisas que a gente diz por dizer”. Quando cobrei os planos de morar junto, levei na fuça: "Falei porque foi você quem me envolveu".

Sabe quando você escreve alguma coisa que jura que tá certo, o Google manda "você quis dizer...", te corrige, e você fica com vontade pedir desculpas ao computador? Pois é, o palhaço quase me fez pedir desculpas por tê-lo envolvido tão covardemente, tadinho. Outro talento que o canalha enrustido tem sempre na manga: quando você vê, já tá pedindo desculpas.

Ah, também no meio de uma das últimas discussões me chamou pelo nome da ex-mulher e, ao menos uma vez, ao se referir à casa onde ela mora, onde os dois moravam, vale ressaltar, disse “vou lá em casa”. Isso tudo num período de menos de 10 dias, os últimos dos quase quatro meses de toda a ladainha. O pior é ter feito cara de santo, como se nada tivesse acontecido, quando trocou meu nome, achando um absurdo eu estar furiosa, no melhor estilo canalha-enrustido-bom-é-canalha-enrustido-sonso.


CAPÍTULO 6

“Se seu presente de Natal passar de R$ 20, eu não compro”


Tudo bem que a gente tava duro, e que o combinado seria gastar pouco, mesmo. Mas o melhor foi saber que o teto do meu presente - chute já se avizinhando - seria a metade do que ele pretendia gastar num CD prometido a uma, adivinhem?, “amiga”. Aliás, não, eu exagerei na frase anterior: o melhor, mesmo, foi ele pretender gastar metade comigo e me contar, assim, na lata.

Bem feito pra mim, quem manda ser uma namorada "trabalhosa"?

CAPÍTULO 7

"Não me lembro de ter dito isso"

Um último aviso: nada do que acontece ao canalha enrustido, nada do que o próprio faz é culpa ou responsabilidade dele. E, quando acaba o estoque de argumentos pra contradizer descaradamente o que disse há dias, o bonitão irá sempre apelar pro bom e velho "não me lembro de ter dito isso". Vale pra "eu amo você".


EPÍLOGO

Agora, que concluo o relato, acaba de me cair a mãe de todas as fichas. Me lembrei que há uns meses, numa mesa de bar, com uma amiga em comum, ela brincou com o meu amorzinho sobre uma moça que contou ter sido casada com ele (casada = morou junto). Meu doce enrustidinho jurou, com a cara mais fofa, mais frágil, mais injustiçada do mundo, cabecinha viradinha, que a mulher era maluca, e que eles tinham apenas namorado, que não tinha sido nada sério. Eu pensei, na hora, "nossa, que louca, que mulher confusa, ninguém mistura uma coisa dessas". Pano rápido.


Essa versão do manual aí, embaixo, é da Cris, que é a poeta do http://www.devaneioslíricos.blogspot.com/, mas que também num tá aqui pra fazer papel de palhaça.

Sua excelência, o lobo em pele de cordeiro

Sim, os canalhas. Isso é tópico que pode inspirar conversas e textos varando a madrugada da nova era de Aquarius que começa. Eu, uma indivídua desconfiada e com grande tendência pessimista, fui nascer com um defeito que pode funcionar como isca principal de canalhas: o romantismo. É, eu quero um amor de cinema. E, fora da ficção, todos os Mel Gibsons são canalhas e não têm bundas tão bonitas. Mas a lábia... ai, a lábia...

Não sei se é possível evitar o encontro com canalhas, e talvez até isso nem seja indicado. Canalhas são uma lição de vida, assim como pragas mundiais, guerras e morte em família. Mas tem alguns sinais de alerta. Dicas sutis que podemos identificar, para tentarmos desviar o caminho dos lobinhos. Rozane já deu as dela, agora aí vai o meu manual. Quanto mais informação melhor.

1) Não sei como aconteceu, não tive controle.

Os canalhas têm a tendência a pensar que em determinados momentos eles têm ausências, e um ET repugnante e asqueroso, vindo do planeta "meu cérebro é o pênis", domina seu corpo e controla suas atitudes. Alow, como assim não pôde prever? E naquela hora que a mulher deu uma piscada e te chamou de gostoso? Isso não te disse nada? Em algum momento sempre dá para interromper um fluxo, menos na hora da gozada.

2) Gosto muito de você, mas tenho medo de me envolver.

Medo de se envolver. Essa é boa. Nas entrelinhas, podemos ler: "vamos continuar transando, mas não me envolvi com VOCÊ, logo não vamos namorar". Sim, porque medo de se envolver até existe, mas ninguém deixa de viver o envolvimento, mesmo com medo, se estiver envolvido. É redundante, mas é fato. Não tem melhor maneira de explicar.

3) Acabei de sair de um relacionamento longo.

E daí? A pessoa namorou um tempão, agora vai fazer alguma diferença se namorar de novo hoje ou daqui a um mês? Cada mês de solteirice é um mês a menos de relação no passado? Os canalhas podem ter descoberto a máquina do tempo e não sabemos, hein.. Não, não... isso aí tá mais pra desculpa que se encaixa perfeitamente na definição do tópico 1.

4) Tudo pela bucetolatria: "você é linda", "quero ficar contigo todos os dias", "você é especial", "como é bom estar aqui".

São muitas frases possíveis para expressar uma mesma idéia: "quero te comer". Sim, porque os canalhas carregam consigo um manual mental com frases prontas, ideais para iludir as bobinhas e as desconfiadas, porém românticas.

5) Sou muito sincero.

O cara se esconde numa sinceridade falsa que permite que ele diga qualquer atrocidade do planeta e você pense: "Bom, pelo menos ele foi sincero". "Sim, eu realmente como as mulheres e depois sumo". Tá na sua mão. Ou você transa, sabendo que será descartada, mas sempre como uma esperança de "ah, ele foi sincero, baixou a guarda, me deu brecha", ou vê a merda que ele disse "na base da sinceridade preocupada e atenciosa" e sai correndo.

6) Relacionamentos passados me traumatizaram.

Canalhas não precisam de madres terezas de calcutá. Não, você não pode salvar um canalha. Ele é assim. Ele nasceu assim. Ele tem um relacionamento doentio com a mãe que só o psicanalista resolve. Também não pense que você vai resolver o problema deixado por uma filha da puta de uma representante do seu sexo que estragou um indivíduo que podia ter algum sentimento, mas acabou virando canalha. Até porque temos que ser gratas a mulheres que atuam como eles. Apesar de estragarem homens, elas são a nossa vingança mais suculenta. Toma do próprio remédio, lobo!

Essa é de outra amiga, que tá em plena arapuca:

Sua excelência, o Crise Existencial

Você nos pediu para colaborar. Para contar a história de uma canalhice enrustida e eu me lembrei de duas. Mas, envolvida ainda nas histórias, não deu linha. Fora e-mails para os canalhas, pedindo amor, carinho, perdão. Hoje, de um deles eu me livrei, parcialmente, já que ainda tenho umas recaídas de ligar “pra saber como você está”. Mas não beijo, não dou e morro de raiva quando encontro: um luxo só.

Do outro, bem, do outro... O canalha enrustido vem dia 2 de janeiro, eu, numa ressaca que me fez deixar de beber, cheio de crises existenciais, eu achando lindo, dizendo que precisava equilibrar melhor a própria vida, que depois do divórcio – traumático, claro – tinha se dedicado às baladas com um afinco incrível, que queria tirar o atraso, que nunca tinha sentido, mas que, se a malvada que o deixara, o deixara por uma vida mais emocionante (com alguém mais emocionante, quiçá), ele a teria, a tal da vida maravilhosa, dos amigos maravilhosos, das noites descoladas, dos drinks brilhantes.

Mas, aí, dois anos sabáticos depois, bateu nele a ressaca metafórica que já tinha batido em mim. Eu achando lindo ser aquele ouvido às quatro da manhã, incitando-o ao equilíbrio, menos trabalho (porque também é um workaholic), mais família, especialmente o pai, que só procura quando está carente, e mais sensibilidade com as meninas. Com a menina, comigo. Que as outras, vocês me desculpem, mas as outras querem que meu canalha que se danem. Eu vi primeiro. Pois é. Eu não sou a Ava.

Depois do desabafo, um encontro no dia seguinte, tudo lindo, dormindo de conchinha, o canalha, que, em três meses de toma-lá-dá-cá, sempre corria para o outro lado distante da cama, me abraçando apertado uma noite inteira. Eu, bobinha, doida para acreditar que tudo ia mudar daqui para frente, e que ele ia mudar, ser o que aparenta, e não ser o que é.

E aí, sábado à noite, um amigo gente boa toda vida, desses que você se pergunta por que você não se apaixonou por ele e ele por você, já que é incapaz de magoar uma mosca e fica se envolvendo como você com os/as piores escroques do planeta, chama para sair. Coitado, tomou um pezão há pouco tempo, e ainda é gato, lá vai você fazer fita do lado do moço na boatinha. E aí, vocês estão lá, sentando o pau nos filhos das putas que os abandonaram quando adentra o recinto quem? Quem? Quem? É, o crise- existencial-nesse-ano-novo-vou-equilibrar-trabalho-romance-balada-de-modo- inteligente. Você treme, claro, ele podia ter te chamado, né? Ele deveria ter te chamado se todo o momento conchinha fosse para durar.
Mas não, ele deixou o celular desligado em pleno sábado à noite. Te cumprimenta. Você lá fazendo cara que está achando tudo lindo, não vai brigar com o rapaz. Apresenta o amigo, muda o tópico da conversa para insetos e aí passa um vestido vermelho. Não, não é recalque: ela não era bonita. Também não era feia. Parecia a Betty Boop depois de uma crise de bulimia: ou seja, tem tudo para ser fetiche, mas de tanto ser fetiche já ficou meio baqueada. E ele sai: Perái que vou ali. E some. Puft.

Então, horas depois, passeando com o amigo pela boatinha entre uma garrafa d’água e outra – lembrem-se: eu parei de beber –, o canalha está lá jogando videogame com a outra. Tudo bem. Eles não estavam se pegando, mas sabe a traição intelectual que é isso para uma nerd? Eu me fazendo de durona, superior, super classuda. Finjo que não vi e não liguei e desapareço das vistas do casalzinho com meu amigo gente boa.

Passa mais um tempo, o canalha enrustido volta serelepe, suado, e vem logo com carinho nas minhas costas. Era um código estabelecido muitas noites antes nessa vida frenética de boatinha onde já se passou o rodo em geral – anos sabáticos, sabe como é: era um jeito de dizer que tinha gente no recinto com as quais a gente se importava e não queria humilhar/machucar, mas um jeito também de dizer que estava ali, junto.

Eu era a felicidade em pessoa. Até o vestido vermelho passar de novo. E ele mandar outro “peraí”. Fiquei lá, hanging on to my ego, conversando com o amigo gente boa como se nem fosse esse o da vez na longa lista de sapateadores do meu coraçãozinho. Hanging on no código do carinho nas costas, esperando que no fim da noite ele fosse embora com quem? Não, não com a do vestido vermelho.

PS: Removi o post anterior porque, curiosamente – Freud explica TOTAL – escrevi “noites deslocadas” em vez de “descoladas”. Só para vocês saberem mais das nóias. (rs)