sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

A dor, Pavlov e o David Niven

Ódio e nojo já abrandando, que também nem eu güento mais essa ladainha, já sabedora de que na alma do Coisa Pior reina a culpa pela antice dos últimos quatro meses, ando assentando meu facho, e o personagem mulher-histérica tá quase saindo de cena. Quase.

Mais calmo, meu coração indignado selvagem cansou de se esgoelar no ouvido do traste, em busca de uma resposta, até porque eu já me conformei com o fato de não haver, mesmo, explicação pro rolo todo. A paz, portanto, já tá na portaria, já subindo, pra entrar de vez nesse apartamento minúsculo aqui no Largo do Machado.

Pois é, o apartamento é minúsculo. Quarto e sala super-charmoso que gastei os tubos pra reformar há um ano. Cozinha americana, todo branquinho, uma parede repleta de fotos das minhas viagens pelo mundo. Menos de 50 metros quadrados, cada um deles, todos, mesmo, repletos de lembranças dos últimos quatro meses.

Tá, tá, tá, só eu não sabia que, passada a ira inicial, seria tomada de assalto por uma saudade imensa do cachorro. Daquelas saudades inexplicáveis, absurdas, desatinadas, uma tristeza de filme americano de sábado à noite na Globo, que, como sabemos, é quase sempre “baseado em fatos reais”.

Só fui me dar conta ontem. Num momento Pavlov. Com preguiça de descer pra entregar um filme que peguei no dia anterior, acionei a locadora e pedi pra eles mandarem alguém buscar. Num ato falho espetacular, acabei programando isso tudo pra hora em que o Coisa Pior costumava vir jantar aqui. A ficha só caiu quando me vi abrindo a porta numa hora em que ele estaria chegando. Desnecessário dizer que, qual fora ratinho de Pavlov, comecei a chorar igual a uma louca e tive que enfiar as lágrimas no útero pra poder abrir a porta pro coitado de jovenzinho da locadora.

Só então fui olhando pela casa e percebendo que cada canto guarda uma história e só não joguei a cadeira da cozinha em que ele sempre sentava pela janela porque me custou os tubos na Tok&Stok. Devo admitir, no entanto, que a poltrona velhinha de um lugar que minha tia ia jogar fora e eu herdei até poder comprar um sofá já está devidamente entregue ao porteiro. Era o trono do bonitão. Quase todos os outros rastros pelo apartamento também já foram devidamente despachados pro lixo. Quase.

O vestido vermelho da noite de estréia do canalha na minha cama, por exemplo, hoje, pela primeira vez eu consegui vestir. Também pela primeira vez desde o cisma, taquei o batom vermelho preferido do cretino na boca, e me mandei pra rua pra almoçar com uma amiga. Foi durante o almoço que a gente quase morreu de rir com o sonho que tive na noite passada, e eu tive a certeza absoluta de que o sofrimento tá longe do fim.

Antes de contar o sonho, no entanto, preciso esclarecer uma coisa. A anta intelectual tinha inventado uma metáfora ridícula pra nossa relação, no início, os dois enlouquecidamente apaixonados – escrevi “os dois” pra manter um mínimo de dignidade, me respeitem nessa hora difícil, por favor. Tratava-se de um balão em que nós dois ficávamos sobrevoando o Largo do Machado, segundo palavras do traste.

(Pausa pra vocês pararem ou de rir ou de vomitar ou as duas coisas)

Mas eu achava lindo, e pronto. Tão lindo que, quando fizemos 80 dias de (pausa pra eu vomitar) "relação", dei pro Coisinha Pior o DVD de “A Volta ao Mundo em 80 Dias”, aquele em que o David Niven e o Cantinflas rodam o planeta a bordo de um balãozão enorme, estampado na capa. A anta adorou a idéia; nunca viu o filme, claro; e eu dancei em quase 50 reais.

Pois é, noite passada eu sonhei que namorava o David Niven.

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