terça-feira, 7 de julho de 2009

The show must go on

Meu povo, voltei. A razão do sumiço é uma só, não dá pra contar com meio termo: minha mãezinha querida morreu no dia 27, depois de uma longa agonia, na pacata Visconde do Rio Branco, interior de Minas.

Claro que andei ao contrário, já me acabei de chorar, já torci a alma, já entubei o tal do inexorável, já botei a vida em outra perspectiva, etc, etc, etc. No mais, vai ter mais lançamento do livro, em Niterói, dia 11 de agosto, vou ralando meu coco aqui nesta vidinha de free lancer, vou aprendendo a viver com esta dor nova.

Pra minha véia, boto aqui o texto que li na missa de sétimo dia dela, lá em Minas.

No início da década de 40, o escritor franco-argelino Albert Camus publicou O Estrangeiro. Logo no início do livro, o personagem central da trama, Meursault, dá o tom do que seria o romance: "Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem." Na época, Camus ainda era existencialista, uma gente estranha.

Eu, que sempre fui uma romântica incorrigível e nunca consegui ser existencialista, sei bem quando minha mãe querida partiu. Foi há exatamente uma semana, lá por volta das duas e meia da tarde, aqui em Rio Branco.

E há exatamente uma semana tenho passado os dias entre chorar, refletir e acordar esbaforida no meio da noite depois de sonhos angustiantes. O pior deles: num salão escuro, com poltronas, uma mulher qualquer guardava coisas numa caixa enorme, como quem prepara mudança; Eu perguntei: "O que que houve?"; resposta: "É que a Nilza do Cinema morreu. Não vai ter mais filme." Minha mãe gerenciou o único cinema da cidade por quase uma década.

Foi também durante esta semana que hesitei em abrir um pote de doce de leite, depois do almoço: "Isso vai me doer. Doce é coisa que Dona Nilza não dispensava por nada desse mundo". Imediatamente, eu jurei que não comeria o tal do doce. Também jurei, estupidamente, que não faria mais nada que me fizesse lembrar de minha mãe e que pudesse me matar de dor. O problema é que também lembrei que, se eu fosse parar de fazer tudo o que me lembraria minha mãe, teria que parar de amar, de sorrir, de ajudar o próximo, de gritar diante de alguma injustiça, de viver, enfim.

Comi o doce e parei de bobagem, lembrando que esta semana também me inundou de inesquecíveis lembranças do ser humano que fez desta moleca a mulher que sou hoje. E foi com elas que decidi ficar, até que minha própria morte chegue, sem nem me importar mais com a moça do sonho que me disse que não ia mais ter filme. No meu cinema da Nilza, a matinée não vai acabar nunca.

Foi Dona Nilza quem passou uma tarde inteira tentando explicar a um olheiro do Flamengo que "aquele menino que joga um bolão, aquele, ali" era uma menina; sua filha de oito anos, aliás. Foi Dona Nilza quem tentou explicar no pronto-socorro que a filha de nove anos tinha acabado de rachar o dedo mindinho do pé direito porque tentava imitar o Gene Kelly dentro do quarto. Foi Dona Nilza quem me disse – eu lá com meus 11 anos – que ficar mocinha não era a pior coisa do mundo.

Foi Dona Nilza que, depois de um estrondoso barulho de vidro quebrado durante uma festa, segurou a mão de alguém e disse "eu tenho certeza de que foi a Rozane. Só me diz se ela está viva". Acertou na mosca: com uns 13 ou 14 anos, eu tinha acabado de cair dentro de um aquário gigante, abandonado no quintal da casa; mas sobrevivi sem um arranhão, sabe Deus como.

Foi Dona Nilza quem me mostrou ser possível dedicar uma vida inteira ao amor incondicional a um homem, meu pai querido, aqui presente, graças a Deus. Foi Dona Nilza que, quando me apaixonei pela primeira vez, lá pelos meus nove anos, me explicou que o mundo não ia acabar só porque o rapaz não me amava. Foi também ela que, quando me apaixonei pela última vez, há uns dois anos, me explicou, de novo, que o mundo não ia acabar só porque o rapaz não me amava. De novo.

Foi Dona Nilza quem passou a vida me dizendo que a existência de Deus sempre independerá dos meus surtos de falta de fé.

Foi Dona Nilza quem imprimiu na minha alma, no último sábado, o significado absoluto da palavra saudade.

Descanse em paz, minha mãe querida.

22 comentários:

mirtes guimarães disse...

e, mesmo sem conhecê-la, tenho certeza que dona nilza estava muito orgulhosa de ver em que aquela menina sapeca se transformou, e principalmente por ter continuado um tantinho sapeca.
beijão, amiga

Eluana disse...

A Mirtes tem razão. E a dor uma hora diminui e vai ficar aquela saudade boa.
Vou rezar por você.
=*

alexandra disse...

Me debulhando em lágrimas.

ROZANE MONTEIRO disse...

brigada, meu povo. brigada. agora, é hora de celebrar a vida. na minha falta de fé, só consigo acreditar que a bichinha tá é na boa, sabe Deus, literalmente, onde.

Cristina Lemos disse...

A Mirtes tem razão : Dona Nilza deve ter muito orgulho da filha que criou.
E também me debulhando em lágrimas...
Coragem, porque essa dor é terrível.
Beijocas de Marseille.

bernardo parreiras disse...

Vc sabe que seus pais são meus avós. O muro que separava nossas casas nunca foi um obstáculo pra mim.
Muitas das minhas melhores lembranças de infância incluem os véios. Sempre fui acolhido como um neto: sinto o cheiro dos doces e é impossível não lembrar D. Nilza falando que eu era muito trabalhador (guloso: trabalhar=comer); pois, ao chegar do colégio "trabalhava" (almoçava) em casa e após almoçava lá de novo. E isso ara verdade. Eu não resistia: mesmo satisfeito, comia novamente!!! E não só os doces, mas tb a refeição (rs).

Beijos!

Vinícius Faustini disse...

Viva dona Nilza, que nos deu como presente os bons cuidados a você, Rozane. Concordo com as palavras da Mirtes, e digo mais: seu maior presente é ficar cada vez mais sapeca.

Beijinhos,

Vinícius Faustini

Unknown disse...

Sinto muito pela sua perda... é sempre difícil quando quem a gente ama se vai, ainda mais quando é para sempre!!!

Anônimo disse...

Rozane,

A morte não existe. As pessoas apenas passam para um outro plano. Tenha certeza que, um dia, você estará novamente com a sua mãe.

Anônimo disse...

Oi Rozane, sinto muito pela sua mae. Rozane, estou no rio e trabalhando perto do largo do machado. Vamos combinar um happy hour depois do trabalho? Um abraco, Luciana...Mirtes vc esta convidada.

Talita Braga disse...

Putz:(
Fiquei sem aparecer um tempo e volto lendo essa notícia.
Rozane,ó inspiradora, força que o tempo ajuda a gente a segurar a onda. Se precisar conversar to sempre no msn e vc deve ter o meu telefone em algum lugar....
Beijo grandão

ROZANE MONTEIRO disse...

meu povo querido, só agora, vou retomando a vida e tive coragem de ler tudo aqui. muito bão esse carinho de vocês tudo. brigada, e coração.

e, sim, acredito, sinceramente, que ela há de estar num lugar bem bacana, onde a gente um dia vai se encontrar.

Fuzz Face disse...

ah aquela queijadinha... aquele bom humor..jogos do fla no maraca..papo na calçada Grande Nilza e boas lembraças

Maria Alice disse...

Só agora tomei coragem de me manifestar também."Tia" Nilza foi um pouco minha mãe também.E eu sinto a mesma saudade!

ROZANE MONTEIRO disse...

valeu, talita. eu sei que tu já passou pela mesma coisa. foda, né? mas, enfim, vamu levando, que não tem muito jeito. fomo nascer neste planeta, bem feita. :/

ROZANE MONTEIRO disse...

quem és tu, Fuzz Face?

ROZANE MONTEIRO disse...

Luciana, manda seu tel pro meu e-mail. vamu marcar, sim.

ROZANE MONTEIRO disse...

e m.assaf era a filhota lôra dela.

Fuzz Face disse...

Sou eu Zezé!!

ROZANE MONTEIRO disse...

ih, meu pai!!!!!! pensei em todo o mundo, menos em tu. foi mal aê! :)

meu pai do céu, acabo de lembrar de você comendo pão com caviar na calçada, falando que era asfalto e eu voltar pra casa achando aquela gente da casa do lado muito esquisita.

isso, sem falar no carro azul do teu pai, mais eu e tua irmã virando bicicleta (ou velocípede, argh, tem muito tempo isso) de cabeça pra baixo pra moer folha seca de amendoeira na roda, fingindo que era pipoca.

socooooooorro!!!!!! :))))))

ROZANE MONTEIRO disse...

aliás, por que diabos tu comia pão com caviar, caceta?

Fuzz Face disse...

Tem? certeza? Pão com caviar, até me lembro de ter comido, mestre comprou uma vez a muito tempo, mas dizer que era asfalto, num lembro não..ehehe