domingo, 13 de fevereiro de 2011

Viva Dona Nilza!

Hoje, 13 de fevereiro, é aniversário da minha mãezinha querida, ela faria 88 anos. Sei lá o que eu tô sentindo. Só sei que, por mais de uma vez durante o dia pensei, por um segundo, num reflexo, "ih, tenho que ligar pra veia amanhã", com medo de esquecer, nessa minha vida maluca, como sempre pensei desde que saí de casa, ocupadinha paca. Pra, no segundo imediatamente seguinte, lembrar que "é, acho que não, não vai dar pra ligar, não". Que fique aqui, portanto, só a vontade de homenagear Dona Nilza, com toda a saudade que pode caber no meu peito por uma mulher que fez de mim a mulher que eu sou e que me ensinou o significado absoluto e absurdo da palavra "saudade".

Só me ocorre republicar aqui o texto que li na missa de sétimo dia dela, há mais ou menos um ano e meio. Pra quem não leu na época, esclareço: ela morreu num hospital em Visconde de Rio Branco, em Minas, terra dela, depois de uma agonia absurda de meses. Quando jovem, já casada "de pouco", como eles dizem lá, ela era gerente do único cinema da cidade - meu pai cuidava da bomboniére que eles tinham no mesmo cinema, ela fazia o melhor sorvete do mundo, segundo dizem. Dona Nilza, na cidade, era a "Nilza do cinema".

Tomem aí o texto que eu li naquela missa absurda, depois de implorar por um tempo na missa do padre da cidade. Lembro que, em algum momento, o padre me dizendo que não podia ceder muito tempo da missa pra mim, eu mandei "padre, eu juro que minha mãe não vai morrer nunca mais, é só dessa vez". Ele riu de lado e me concedeu uns minutinhos na missa pra que eu pudesse ler o seguinte:

No início da década de 40, o escritor franco-argelino Albert Camus publicou O Estrangeiro. Logo no início do livro, o personagem central da trama, Meursault, dá o tom do que seria o romance: "Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem." Na época, Camus ainda era existencialista, uma gente estranha.

Eu, que sempre fui uma romântica incorrigível e nunca consegui ser existencialista, sei bem quando minha mãe querida partiu. Foi há exatamente uma semana, lá por volta das duas e meia da tarde, aqui em Rio Branco.

E há exatamente uma semana tenho passado os dias entre chorar, refletir e acordar esbaforida no meio da noite depois de sonhos angustiantes. O pior deles: num salão escuro, com poltronas, uma mulher qualquer guardava coisas numa caixa enorme, como quem prepara mudança; Eu perguntei: "O que que houve?"; resposta: "É que a Nilza do cinema morreu. Não vai ter mais filme." Minha mãe gerenciou o único cinema da cidade por quase uma década.

Foi também durante esta semana que hesitei em abrir um pote de doce de leite, depois do almoço: "Isso vai me doer. Doce é coisa que Dona Nilza não dispensava por nada desse mundo". Imediatamente, eu jurei que não comeria o tal do doce. Também jurei, estupidamente, que não faria mais nada que me fizesse lembrar de minha mãe e que pudesse me matar de dor. O problema é que também lembrei que, se eu fosse parar de fazer tudo o que me lembraria minha mãe, teria que parar de amar, de sorrir, de ajudar o próximo, de gritar diante de alguma injustiça, de viver, enfim.

Comi o doce e parei de bobagem, lembrando que esta semana também me inundou de inesquecíveis lembranças do ser humano que fez desta moleca a mulher que sou hoje. E foi com elas que decidi ficar, até que minha própria morte chegue, sem nem me importar mais com a moça do sonho que me disse que não ia mais ter filme. No meu cinema da Nilza, a matinée não vai acabar nunca.

Foi Dona Nilza quem passou uma tarde inteira tentando explicar a um olheiro do Flamengo que "aquele menino que joga um bolão, aquele, ali" era uma menina; sua filha de oito anos, aliás. Foi Dona Nilza quem tentou explicar no pronto-socorro que a filha de nove anos tinha acabado de rachar o dedo mindinho do pé direito porque tentava imitar o Gene Kelly dentro do quarto. Foi Dona Nilza quem me disse – eu lá com meus 11 anos – que ficar mocinha não era a pior coisa do mundo.

Foi Dona Nilza que, depois de um estrondoso barulho de vidro quebrado durante uma festa, segurou a mão de alguém e disse "eu tenho certeza de que foi a Rozane. Só me diz se ela está viva". Acertou na mosca: com uns 13 ou 14 anos, eu tinha acabado de cair dentro de um aquário gigante, abandonado no quintal da casa; mas sobrevivi sem um arranhão, sabe Deus como.

Foi Dona Nilza quem me mostrou ser possível dedicar uma vida inteira ao amor incondicional a um homem, meu pai querido, aqui presente, graças a Deus. Foi Dona Nilza que, quando me apaixonei pela primeira vez, lá pelos meus nove anos, me explicou que o mundo não ia acabar só porque o rapaz não me amava. Foi também ela que, quando me apaixonei pela última vez, há uns dois anos, me explicou, de novo, que o mundo não ia acabar só porque o rapaz não me amava. De novo.

Foi Dona Nilza quem passou a vida me dizendo que a existência de Deus sempre independerá dos meus surtos de falta de fé.

Foi Dona Nilza quem imprimiu na minha alma, no último sábado, o significado absoluto da palavra saudade.

Descanse em paz, minha mãe querida.

5 comentários:

monica disse...

Viva!
Pô Rozane, li de novo e me acabei de novo. :"[
Um beijo e boa estada em MG e ES.
Mônica

Anônimo disse...

Ela está no céu comemorando com os familiareas a superfesta que organizaram pra ela lá em cima.


Anônimo n 1

ROZANE MONTEIRO disse...

eu também quase me acabei pra postar. mania de reler e revisar, me acabei toda de novo, claro. mas é engraçado como o tempo cuida da gente, né? quando escrevi, nem sei como consegui ler na missa. aliás, nem sei como é que consegui botar isso tudo no papel. agora, é saudade paca, claro, mas me seguro com certa paz.

ROZANE MONTEIRO disse...

também acho, Anônimo 1, também acho.

ROZANE MONTEIRO disse...

brigadim, Mônica, tô com a corda toda.